sábado, 31 de janeiro de 2009

Temas para prova discursiva (Verticalização EC n. 52/06 e o Princípio da Anualidade)

Verticalização: melhor caminho para a coerência político-eleitoral?
Daniel Gustavo Falcão Pimentel dos Reis

O princípio da coerência nas coligações partidárias, mais conhecida como verticalização das coligações, foi um dos principais assuntos do embate eleitoral de 2006, visando à renovação das Assembléias Legislativas, da Câmara dos Deputados, de um terço do Senado Federal, além das eleições para governadores estaduais e à Presidência da República. O debate sobre o assunto causou calorosas discussões não só no âmbito político-partidário, mas também entre acadêmicos e até um conflito entre o Poder Legislativo e o Judiciário.

A verticalização das coligações partidárias entrou em vigor em fevereiro de 2002, após Consulta realizada por deputados federais filiados ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que promulgou uma resolução regulamentando o princípio. O objetivo dessa regulamentação era enfatizar o caráter nacional dos partidos políticos, impedindo que as agremiações fizessem coligações consideradas por muitos esdrúxulas nos Estados, contrariando a coligação nacional da qual o partido fazia parte. Contudo, mesmo com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e com um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) com o escopo de acabar com esse princípio, a verticalização vigorou no pleito de 2002.

Assim sendo, nas eleições gerais (nacionais e estaduais), as coligações formadas dentro de cada Estado não poderão contrariar a coligação formada para a eleição presidencial.

Portanto, lembrando as coligações formadas em 2002, quando o PT aliou-se ao PL para eleger Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, em nenhum Estado da Federação os liberais ou os petistas poderiam aliar-se ao PSDB ou ao PMDB, que formaram outra aliança em torno do candidato José Serra. O PT poderia até ter um candidato ao governo estadual e o PL outro postulante no mesmo Estado, mas a verticalização impede qualquer aliança com agremiações que participem de outra aliança no âmbito nacional.

Se o partido resolver não lançar candidato à Presidência, e também não se coligar com outra agremiação, está livre para formar alianças com quiser, assim como fez o PFL em 2002 e o PMDB na atual eleição.

Em 2005, apesar da intensa pressão dos partidos e dos próprios parlamentares, a PEC que revogava a verticalização não foi aprovada até o final de setembro, tempo limite para que a norma tivesse eficácia já nas eleições de outubro de 2006, diante do princípio constitucional da anualidade eleitoral.

Em fevereiro último, após nova consulta, o TSE reafirmou que a verticalização continuava a viger, atrapalhando assim o plano de vários partidos políticos, com destaque ao multifacetado PMDB, dividido entre governistas e oposicionistas.

Após a decisão do tribunal eleitoral, o Congresso Nacional, com rapidez incomum, aprova a PEC proposta em 2002 e já referida anteriormente, sendo a Emenda Constitucional nº. 52 (EC nº. 52/2006) promulgada em 8 de março, com a pretensão de retirar a verticalização do sistema jurídico brasileiro já nas eleições que ocorrerão em outubro de 2006.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, inconformado com a promulgação da nova norma constitucional, promoveu ação direta de inconstitucionalidade perante o STF, alegando desrespeito ao princípio constitucional da anualidade eleitoral, ou seja, nenhuma nova lei que alterar o processo eleitoral será aplicada à eleição que ocorrem em até um ano da data de sua vigência.

Em decisão proferida no final de março, por ampla maioria, o plenário do STF decidiu que a verticalização vigerá para as eleições de 2006, já que a EC nº. 52/2006 atenta contra a anualidade eleitoral, ou seja, por ter sido aprovada e promulgada já em 2006, quando o prazo máximo era 30 de setembro de 2005.

Há inúmeras críticas ao princípio da coerência nas coligações partidárias. Roberto Mangabeira Unger, por exemplo, em artigo publicado ainda em 2005, argumenta que a verticalização força as eleições presidenciais seguirem o que ocorre no Estado de São Paulo, ou seja, uma bipolarização PT-PSDB, fato que não ocorre na grande maioria dos estados brasileiros. Outra forte alegação recai no fato de que a aprovação da resolução emitida pelo TSE ocorreu em fevereiro de 2002, portanto, menos de um ano para as eleições gerais de 6 de outubro daquele ano.

Devemos ressaltar que, no entendimento do TSE e do STF nas decisões proferidas em 2002 e 2006, o princípio da coerência nas coligações partidárias já existia no ordenamento jurídico brasileiro antes da consulta dos deputados do PDT. A norma que rege as eleições (Lei nº. 9.504, de 1997), em um de seus dispositivos, já regulamenta a formação das alianças partidárias.

O TSE, ao emitir a contestada resolução, somente proferiu sua interpretação sobre o referido dispositivo infraconstitucional. Portanto, o TSE não legislou nem promulgou nova norma —fato que feriria o princípio da anualidade eleitoral previsto na Constituição Federal— mas somente pronunciou seu posicionamento a respeito das coligações, respeitando assim a anualidade eleitoral.

Com a decisão do STF, evitou-se mais uma vez a prevalência da pressa e dos interesses de inúmeros políticos sobre a vigência da segurança jurídica e do devido processo legal eleitoral, pois os eleitores, os candidatos e a própria Justiça seriam prejudicadas se a EC nº. 52/2006 vigorasse em outubro.

Devemos ressaltar que a anualidade eleitoral foi instituída justamente para que regras eleitorais não tivessem caráter casuístico e para que também não fossem aprovadas de “supetão”, prejudicando os interessados (ou seja, todos os cidadãos) com regras precipitadas e aprovadas pouco tempo antes dos pleitos, com grandes chances de existirem para beneficiar certo grupo ou partido político.

Alguns dizem também que a verticalização não é assunto que tange ao processo eleitoral, conforme preceitua o princípio constitucional da anualidade eleitoral, mas sim um princípio que afeta tão somente os partidos políticos.

O STF, em acertada interpretação, expôs que qualquer assunto que diga respeito a mudanças na correlação de forças ou nas regras de competitividade eleitoral se referem ao processo eleitoral. Portanto, a supressão da verticalização das alianças partidárias nesse momento, conforme queria a EC nº. 52/2006, afeta sim a anualidade, por se tratar de tópico que faz parte do processo eleitoral.

A principal crítica, entretanto, é a respeito da artificialidade das coligações formadas nos Estados diante da definição da coligação que concorrerá à eleição presidencial.

Alguns até lembraram da atrocidade vigente nas eleições de 1982, o chamado voto vinculado, que funcionava da seguinte maneira: os votos para todos os cargos disputados no pleito (governador, deputado federal, senador, deputado estadual e em algumas cidades vereador) deveriam ser para o mesmo partido, inexistindo possibilidade de voto em candidatos de outras agremiações.

A verdade é que a intenção do TSE ao instituir a verticalização é garantir a coerência ideológica das coligações partidárias. Até 1998, realmente era muito comum que partidos rivais no âmbito nacional formassem coligações em alguns estados com o objetivo de vencer adversários comuns.

O fato, porém, é que tanto em 2002 como muito provavelmente em 2006, acompanharemos em nossos estados coligações falsas, onde rivais estão “unidos” somente porque seus partidos pactuaram alianças no âmbito nacional.

Como se sabe, um breve e raso estudo da história das eleições brasileiras e de suas normas legais nos leva a perceber que um dispositivo legal impondo coerência programática ou ideológica aos partidos e suas respectivas coligações não surtirá qualquer efeito.

O caminho para conseguirmos partidos mais fortes, com maior coerência ideológica e pragmática não é uma imposição legislativa artificial, mas sim uma ampla e profunda reforma política na Constituição Federal e nas leis ordinárias que trate também da disciplina e da fidelidade partidária, de um sistema político-eleitoral mais moderno e de rígidas punições aos políticos infratores das regras eleitorais.

Quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/artigos/ler_noticia.php?idNoticia=31405

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