Caros leitores,
O Informativo n.
678 do STF trouxe uma excelente reflexão sobre a necessidade da Câmara Municipal observar no julgamento das contas de Governo e/ou Gestão do respectivo Chefe do Poder Executivo local o princípio constitucional do devido processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Constituição Federal e ensejar a suspensão da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, "g", da Lei Complementar n. 64/1990, alterada pela LC n. 135/2010.
Confiram as partes grifadas.
Abraços,
Leonardo
Prefeito municipal – Contas
– Rejeição – Câmara de Vereadores – Inobservância do devido processo legal –
Nulidade da deliberação (Transcrições)
RE 682011/SP*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: JULGAMENTO DAS CONTAS DE
EX-PREFEITO MUNICIPAL. PODER DE CONTROLE E DE
FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES (CF, ART. 31). PROCEDIMENTO
DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. NECESSÁRIA
OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DA PLENITUDE DE
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (CF,
ART. 5º, LV). DOUTRINA. PRECEDENTES.
TRANSGRESSÃO, NO CASO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DESSAS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO DE ILICITUDE
CARACTERIZADA. CONSEQUENTE INVALIDAÇÃO DA
DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR CONSUBSTANCIADA EM DECRETO LEGISLATIVO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- O controle externo
das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao
Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas
prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá
com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31).Essa fiscalização institucional não pode
ser exercida, de modo abusivo e arbitrário,
pela Câmara de Vereadores, eis que – devendo efetivar-se
no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo
– está subordinada à necessária observância, pelo Poder
Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram,
ao Prefeito Municipal, a prerrogativa da plenitude
de defesa e do contraditório.
- A deliberação da Câmara de
Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local há
de respeitar o princípio constitucional do devido
processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar
em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei Fundamental da
República.
DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi
interposto por ex-Prefeito Municipal que se insurge contra
acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que
lhe negou o direito de ver respeitadas, pelo
Poder Legislativo local, em sede de julgamento de contas pela Câmara
Municipal de Santos, as garantias constitucionais do contraditório e
da ampla defesa.
O aspecto central da decisão em referência, objeto
do presente recurso extraordinário, acha-se consubstanciado
em acórdão assim ementado (fls. 1.786):
“Ação
anulatória – Município – pedido de anulação de decisão do
Tribunal de Contas – rejeição das contas do ex-Prefeito de Santos do
exercício de 2002 – oportunidade de defesa conferida ao autor pelo órgão
vistor – desnecessidade de abertura de prazo para defesa na Câmara Municipal
– edilidade que acolheu o parecer – verba honorária reduzida.” (grifei)
A parte ora recorrente, ao deduzir o presente
apelo extremo, sustentou que a decisão questionada teria
transgredido os preceitos inscritos no art. 5º, incisos
LIV e LV, e no art. 93, inciso IX, ambos da
Constituição Federal.
O Ministério Público Federal, em fundamentada manifestação
da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República Dr. RODRIGO JANOT
MONTEIRO DE BARROS, ao opinar pelo conhecimento
e provimento do presente recurso extraordinário, formulou
parecer que contém a seguinte ementa (fls. 1.948):
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. APRECIAÇÃO DAS CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL.
PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. INDISPENSABILIDADE DA
PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. CF, ARTS. 5º, LV E 31, § 2º.
…...............................................................................................
Reafirmação da orientação jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal no sentido da indispensabilidade da observância da
garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório no procedimento
político-administrativo de controle parlamentar das contas do Chefe do Poder
Executivo local. CF, arts. 5º, LV, e 31, § 2º.” (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a apreciar
o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, entendo
assistir plena razão à douta Procuradoria-Geral da
República, cujo parecer bem demonstra que o acórdão ora
questionado diverge do entendimento que o Supremo Tribunal
Federal firmou na matéria em exame.
O controle externo das contas
municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder
Executivo local, representa uma das mais expressivas
prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá
com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização institucional, por
sua vez, é desempenhada pelo Poder Legislativo do
Município no âmbito de procedimento revestido de
caráter político-administrativo, tal como acentuado,
em preciso magistério, pelo saudoso e eminente HELY LOPES MEIRELLES (“Direito
Municipal Brasileiro”, p. 608, 15ª ed., São Paulo, 2006, Malheiros
Editores):
“A função de
controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do Executivo tem
caráter político-administrativo e se expressa em decretos legislativos e
resoluções do plenário, alcançando unicamente os atos e agentes que a
Constituição Federal, em seus arts. 70-71, por simetria, e a lei orgânica
municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação, fiscalização e
julgamento. No nosso regime municipal, o controle
político-administrativo da Câmara compreende a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, através do
julgamento das contas do prefeito e de suas infrações
político-administrativas sancionadas com cassação do mandato.” (grifei)
Esse entendimento doutrinário – que enfatiza
a imprescindibilidade da observância da
garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório
(CF, art. 5º, LV) – reflete-se na autorizada
lição de JOSÉ NILO DE CASTRO (“Julgamento das Contas Municipais”,
p. 25/43, itens ns. 1-2, 3ª ed., 2003, Del Rey), que também adverte,
a propósito do procedimento político-administrativo de controle parlamentar
das contas do Prefeito Municipal, que a deliberação da Câmara de
Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder
Executivo local, além de supor o necessário
respeito ao postulado constitucional da ampla defesa, há de
ser fundamentada, sob pena de a resolução legislativa importar
em inaceitável transgressão ao sistema de garantias
consagrado pela Constituição da República.
Cabe referir que essa mesma
percepção do tema é revelada, em
substancioso estudo, pelo eminente Professor EDUARDO BOTTALLO (“Julgamento
de Contas de Prefeito e Princípio da Ampla Defesa”, “in” “Direito
Administrativo e Constitucional – Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba”,
vol. 2/334-338, 1997, Malheiros), cujo magistério, no tema, assim
foi por ele exposto:
“a) a
apreciação das contas de Prefeito,
prevista no art. 31, § 2º, da Constituição da República, é tarefa que não se
contém no âmbito do ‘processo legislativo’ de competência das
Câmaras Municipais; trata-se, ao revés, de julgamento proferido
dentro de processo regular, cuja condução demanda obediência às
exigências constitucionais pertinentes à espécie;
b) não é correto o
entendimento de que, no caso de apreciação de contas de
Prefeito, o exercício do direito de defesa se dá apenas perante
o Tribunal de Contas durante a fase de elaboração do parecer prévio, e
isto porque esta instituição não julga, atuando apenas como órgão auxiliar
do Poder Legislativo Municipal a quem cabe tal competência;
c) o julgamento das contas
de Prefeito pela Câmara Municipal deve observar os
preceitos emergentes do art. 5º, LV, da Constituição da
República, sob pena de nulidade.” (grifei)
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto,
considerada a essencialidade da garantia
constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que a Constituição da
República estabelece que ninguém pode ser
privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus
direitos sem a observância do devido
processo legal, notadamente naqueles casos em que se
estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de
um lado, e o indivíduo, de outro.
Cumpre ter presente, bem por isso,
que o Estado, em tema de restrição à
esfera jurídica de qualquer cidadão (titular, ou
não, de cargo público), não pode exercer a sua autoridade de
maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando,
no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de
defesa, pois – cabe enfatizar – o reconhecimento
da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida
imposta pelo Poder Público, de que resultem, como
no caso, consequências gravosas no plano dos direitos e
garantias individuais, exige a fiel observância
do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV), consoante
adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”,
vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição
Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA
JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n.
17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na
Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários
à Constituição do Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 686/688, 25ª ed., 2012,
Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p.
444/446, 9ª ed., 2008, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito
Administrativo Brasileiro”, p. 107/108 e 755/756, 38ª ed., 2011,
Malheiros, v.g.).
A jurisprudência dos Tribunais, notadamente
a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade
desse princípio, nele reconhecendo uma
insuprimível garantia, que, instituída em
favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona
o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que
em sede materialmente administrativa ou
no âmbito político-administrativo, sob pena
de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida,
ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142
– RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in”
Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min.
ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO –
RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):
“RESTRIÇÃO
DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS
OF LAW’.
- O Estado, em tema de punições
disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que
seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a
sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando,
no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o
reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida
estatal - que importe em punição disciplinar ou em
limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento meramente
administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio
do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
reafirmado a essencialidade desse princípio, nele
reconhecendo uma insuprimível garantia, que,
instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e
condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda
que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do
próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes.
Doutrina.”
(RTJ 183/371-372,
Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Isso significa, portanto, que
assiste, ao cidadão, mesmo em procedimentos de
índole administrativa ou de caráter político-administrativo, a
prerrogativa indisponível do contraditório e da
plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante
prescreve a Constituição da República em seu art. 5º inciso LV.
O respeito efetivo à garantia
constitucional do “due process of law”, ainda que se trate
de procedimento político-administrativo (como no caso), condiciona,
de modo estrito, o exercício dos poderes de que se
acha investida a Pública Administração (a Câmara de Vereadores, na
espécie), sob pena de descaracterizar-se, com
ofensa aos postulados que informam a própria concepção do Estado
democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos
atos e resoluções emanados do Estado, especialmente quando tais
deliberações importarem em graves restrições à
esfera jurídica do cidadão.
Esse entendimento – que valoriza a
perspectiva constitucional que deve orientar o exame do tema
em causa – tem o beneplácito de autorizado
magistério doutrinário, tal como aquele expendido
pela eminente Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo em Evolução”,
p. 82/85, itens ns. 1.3, 1.4, 2.1 e 2.2, 2ª ed., 1998, Forense Universitária):
“O coroamento
do caminho evolutivo da interpretação da cláusula do ‘devido
processo legal’ ocorreu, no Brasil, com a Constituição de
1988, pelo art. 5º, inc. LV, que reza:
‘Art. 5°,
LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes.’
Assim, as garantias do contraditório e da
ampla defesa desdobram-se hoje em três planos: a)
no plano jurisdicional, em que elas passam a ser expressamente reconhecidas,
diretamente como tais, para o processo penal e para o não-penal; b)
no plano das acusações em geral, em que a garantia explicitamente abrange as
pessoas objeto de acusação; c) no processo administrativo sempre
que haja litigantes. (...)
É esta a grande inovação
da Constituição de 1988.
Com efeito, as garantias do
contraditório e da ampla defesa, para o processo não-penal e para os
acusados em geral, em processos administrativos, já eram extraídas, pela
doutrina e pela jurisprudência, dos textos constitucionais anteriores, tendo a explicitação
da Lei Maior em vigor natureza didática, afeiçoada à boa técnica, sem
apresentar conteúdo inovador. Mas agora a Constituição também resguarda as
referidas garantias aos litigantes, em processo administrativo.
E isso não é casual nem aleatório, mas obedece
à profunda transformação que a Constituição operou no tocante à função da
administração pública.
Acolhendo as tendências contemporâneas do
direito administrativo, tanto em sua finalidade de limitação ao
poder e garantia dos direitos individuais perante o poder, como na
assimilação da nova realidade do relacionamento Estado-sociedade e de
abertura para o cenário sociopolítico-econômico em que se situa, a
Constituição pátria de 1988 trata de parte considerável da atividade
administrativa, no pressuposto de que o caráter democrático do
Estado deve influir na configuração da administração, pois os
princípios da democracia não podem se limitar a reger as funções
legislativa e jurisdicional, mas devem também informar a função
administrativa.
Nessa linha, dá-se grande ênfase, no
direito administrativo contemporâneo, à nova concepção da
processualidade no âmbito da função administrativa, seja
para transpor para a atuação administrativa os princípios do ‘devido processo
legal’, seja para fixar imposições mínimas quanto ao modo de
atuar da administração.
Na concepção mais recente
sobre a processualidade administrativa, firma-se o princípio
de que a extensão das formas processuais ao exercício da função administrativa
está de acordo com a mais alta concepção da administração: o agir a serviço
da comunidade. O procedimento administrativo configura, assim,
meio de atendimento a requisitos da validade do ato administrativo. Propicia
o conhecimento do que ocorre antes que o ato faça repercutir seus
efeitos sobre os indivíduos, e permite verificar como se realiza a
tomada de decisões.
Assim, o caráter processual da formação do
ato administrativo contrapõe-se a operações internas e secretas, à
concepção dos ‘arcana imperii’ dominantes nos governos absolutos e lembrados
por Bobbio ao discorrer sobre a publicidade e o poder invisível, considerando
essencial à democracia um grau elevado de visibilidade do poder.
...................................................................................................
Assim, a Constituição não mais
limita o contraditório e a ampla defesa aos processos
administrativos (punitivos) em que haja
acusados, mas estende as garantias a todos os processos
administrativos, não-punitivos e punitivos, ainda que neles não haja
acusados, mas simplesmente litigantes.
Litigantes existem sempre que, num
procedimento qualquer, surja um conflito de interesses. Não é preciso que o
conflito seja qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a
lide e o processo jurisdicional. Basta que os partícipes
do processo administrativo se anteponham face a face, numa
posição contraposta. Litígio equivale a
controvérsia, a contenda, e não a lide. Pode haver litigantes
– e os há – sem acusação alguma, em qualquer
lide.” (grifei)
Não foi por outra razão
que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – ao examinar
a questão da aplicabilidade e da extensão da garantia do “due process
of law” aos processos de natureza administrativa
– proferiu julgamento, que, consubstanciado em acórdão
assim ementado, reflete a orientação que ora exponho na presente
decisão:
“Ato administrativo
– Repercussões – Presunção de legitimidade – Situação constituída
– Interesses contrapostos – anulação – Contraditório.
Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja
repercutido no campo de interesses individuais, a anulação
não prescinde da observância do contraditório,
ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles
que terão modificada situação já alcançada. (...).”
(RTJ 156/1042, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)
Cumpre salientar, ainda, que a
colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar
o RE 261.885/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, que
versava matéria idêntica à que ora se examina, decidiu
nos mesmos termos ora expostos no presente ato decisório:
“PREFEITO MUNICIPAL.
CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES.
ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC.
LV DO ART. 5º DA CF).
Sendo o julgamento das contas
do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal,
realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do
Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois
terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é
fora de dúvida que, no presente caso, em que
o parecer foi pela rejeição das contas,
não poderia ele, em face da norma constitucional sob
referência, ter sido aprovado, sem que se
houvesse propiciado ao interessado a oportunidade
de opor-se ao referido pronunciamento técnico,
de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista
à sua almejada reversão.
Recurso conhecido e provido.” (grifei)
Impende ressaltar, por necessário,
que essa orientação vem sendo observada em
sucessivas decisões – monocráticas e colegiadas
– proferidas, no âmbito desta Suprema Corte, a
propósito da mesma controvérsia suscitada
nesta causa (AC 2.085-MC/MG, Rel. Min.
MENEZES DIREITO – RE 235.593/MG, Rel. Min. CELSO DE
MELLO – RE 313.545/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE
394.634/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 367.562/MG,
Rel. Min. DIAS TOFFOLI – RE
447.555/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 459.740/RS,
Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 583.539/SP, Rel. Min.
ELLEN GRACIE, v.g.):
“AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS
PELA CÂMARA MUNICIPAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PRECEDENTES.
1. É pacífica a jurisprudência
desta nossa Casa de Justiça no sentido de que é
de ser assegurado a ex-prefeito o direito
de defesa quando da deliberação da Câmara Municipal
sobre suas contas.
2. Agravo regimental desprovido.“
(RE 414.908-AgR/MG,
Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)
A análise da presente causa evidencia
que se negou, à parte ora recorrente, o
exercício do direito de defesa, não obstante se
cuidasse de procedimento de índole político-administrativa
em cujo âmbito foi proferida decisão impregnada de nítido
caráter restritivo, apta a afetar a situação jurídica
titularizada pelo ex-Prefeito Municipal.
O fato irrecusável é que a supressão
da garantia do contraditório e o consequente desrespeito
à cláusula constitucional pertinente ao direito de defesa, quando
ocorrentes (tal como sucedeu na espécie),
culminam por fazer instaurar uma típica situação de
ilicitude constitucional, apta a invalidar
a deliberação estatal (a resolução da Câmara Municipal, no caso)
que venha a ser proferida em desconformidade com tais
parâmetros.
Sendo assim, e tendo em consideração as
razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para
dar-lhe provimento (CPC, art. 557, § 1º - A), em
ordem a julgar procedente, em parte, a “ação
ordinária anulatória” ajuizada por **, observados, para
tanto, os estritos limites que a própria parte ora recorrente delineou
em seu pedido (fls. 1.845), invertidos os ônus da sucumbência.
Publique-se.
Brasília, 08 de junho de 2012.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
* decisão publicada no DJe de 13.6.2012
* nome suprimido pelo Informativo
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