sexta-feira, 18 de maio de 2012

Artigo: Candidatura e contas eleitorais: de quem é o poder?

Caros leitores,

Iniciaremos uma nova fase nesse blog com a publicação de artigos com a temática de Direito Eleitoral.
Começamos com a contribuição do advogado eleitoralista Antonio Alberto Taveira dos Santos, cujo Twitter é referência no Direito Eleitoral: @CodigoEleitoral.
Seu artigo discorre sobre uma tema que certamente tem grande relevância para o processo eleitoral desse ano.
Contribua e mande seu artigo para nós: artigo@blogeleitoral.org .

Um abraço e boa leitura,

Leonardo


Candidatura e contas eleitorais: de quem é o poder?
Antonio Alberto Taveira dos Santos
Advogado
Twitter: @CodigoEleitoral

Justamente após o Legislativo “legalizar”, em 2009, entendimento consagrado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a Corte alterou sua posição da água para o vinho este ano e decidiu nestas eleições que era melhor não permitir a quitação eleitoral e, por assim, a candidatura de quem não teve suas contas eleitorais aprovadas, independentemente do motivo. A maior parte destes brasileiros não cometeu crime, ilicitude ou imoralidade, tendo contas reprovadas por pequenas irregularidades, erros formais ou materiais, alguns até sanáveis, mas que pela incompreensão das complexas regras, seja por recursos parcos que não permitiram um assessoramento ou falta de um defensor público (sim, candidato hipossuficiente tem direito a defensor público), tiveram mutilados direitos políticos.
À pecha de moralização ilegal, o que houve foi uma demonstração de poder inconstitucional e antidemocrático, não espantando o fato histórico, de 18 partidos terem assinado uma moção, pedindo ao TSE a reconsideração da exigência de aprovação de contas eleitorais.
Quando se retira direitos políticos de cidadãos brasileiros assim, todos estão em risco político. A garantia unidimensional da capacidade eleitoral ativa (de votar) é esvaziada quando a capacidade eleitoral passiva (de ser votado) é restringida de forma que violenta nossas bases tão duramente conquistadas. E do precedente gerado, extrai-se que o problema é muito mais sério.
O Poder Legislativo ao reformar a Lei das Eleições com a chamada mini-reforma eleitoral, em relação ao artigo 11, §7º da Lei Eleitoral, simplesmente trouxe para a segurança e a reserva constitucional da lei posição que já havia sido pacificada em decisões do próprio TSE nos últimos anos.
Acredito que ia muito melhor o TSE quando entendia pela não exigência de aprovação de contas para a quitação eleitoral, já que em nosso sistema há um conjunto de ações para apurar e resultar em inelegibilidade, peneirando com muito mais justiça os que a merecem. Mas, nem é caso de avaliar os modos, quando dimensionamos o tamanho do abalo ao delicado sistema de freios e contrapesos da separação de poderes, com menosprezo à Constituição Federal, tão fundamental para o poder frear o poder (Checks and Balances).
O TSE através de Resolução sua, buscou, efetivamente, revogar lei constitucional (que não precisa ser assim declarada pelo Judiciário, a sua constitucionalidade é presumida), ignorando a hierarquia normativa e a reserva legal, vitórias constitucionais que impuseram ao Estado limites, um deles de só exigir de nós, cidadãos, o fazer ou deixar de fazer por existência de lei constitucional (art. 5º, inciso II da Constituição Federal).
Cheira a autoritarismo ignorar a representatividade popular efetiva (porque nenhum dos integrantes do TSE foi eleito pelo povo). O poder não emana dos Juízes, emana do povo, está logo no artigo 1º da Constituição, parágrafo único: todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Rui Barbosa é bom conselheiro aos que enveredam pela judicância (Oração aos Moços): “corar menos de ter errado que de se não emendar. Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se não corrija. E, se o próprio autor do erro o remediar, tanto melhor; porque tanto mais cresce, com a confissão, em crédito justo, o magistrado, e tanto mais se soleniza a reparação dada ao ofendido”.

Se o erro não for corrigido pelo próprio autor do erro (o TSE), não sei o que desestabilizaria mais a credibilidade democrática brasileira, após o tempo e a instabilidade já vistos no julgamento dos casos relacionados à Lei da Ficha Limpa.

A divisão de Poderes existe, dentre outras coisas, para preservar a conquista das liberdades e evitar o escuro e deturpado poder ditatorial. Com as costas para Montesquieu (O Espírito das Leis) “estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares”.

Mesmo que o TSE interprete a Resolução 23.376/2012, artigo 52, §2º, de modo a trazer mais segurança jurídica, ou aplicando o prospective overruling em seus precedentes, a sociedade continuará em risco político só por admitir que a Resolução possa vigorar revogando lei federal constitucional, seja lá qual for o marco temporal adotado, pois o Estado não revela justo contrato com a sociedade sem se justificar constitucionalmente.
Há tempo para corrigir o erro sem desestabilizar mais o processo eletivo. Digo sem desestabilizar mais, porque alguns já devem ter deixado de se desincompatibilizar por desesperança. O autorreconhecimento de elevado poder normativo, chancelado pelo Supremo Tribunal Federal, está levando o TSE a uma atuação mais democrática e legítima? _Como se está vendo, não.
Uma saída provisória, um alento menor aos direitos políticos, interpretar o quanto antes a exigência de aprovação de contas para a quitação eleitoral só para as eleições 2014? _Sim, pois daria tempo para que o STF examinasse a constitucionalidade do assunto sem reproduzir nestas eleições as instabilidades de outrora. Oportunidades existem para externar esta interpretação logo. Além da já referida moção, o TSE pode responder à Consulta Eleitoral nº12627, sobre o marco temporal de aplicação desta inovada exigência, dentre outras provocações já existentes. Acompanhemos todos.

Como citar este texto:  

SANTOS, Antônio Alberto Taveira dos. Candidaturas e Contas Eleitorais: de quem é o poder?. Blog Eleitoral, Goiânia, ano 1, n. 1, 18 maio 2012. Disponível em: <http://www.blogeleitoral.org/2012/05/artigo-candidatura-e-contas-eleitorais.html>. Acesso em: dia mês ano.


Um comentário:

Jules Queiroz disse...

É, realmente há uma queda de braço entre o Judiciário e o Legislativo em matéria eleitoral. Ambos buscam tutelar a vontade do eleitor (com motivações diversas, claro).
O problema das oscilação da questão das contas é a (in)segurança que essa situação tem gerado no ato de registro de candidatura e, por consequência, na constituição democrática do processo eleitoral.